O número de línguas faladas no mundo é a mais fiel expressão da diversidade de formas de ver, interpretar e interagir com esse mundo, ou seja, é um dos pilares centrais da diversidade cultural, veículo da memória e dos valores coletivos de um povo. Quando morre uma língua, morre a cultura que a criou.  

 

Consciente disso, a Unesco produziu, em 1996, um Atlas Mundial das Línguas Ameaçadas (atualizado em 2001 e 2011), com o objetivo de sensibilizar para a necessidade de preservar a diversidade linguística do planeta.  Identificada com esse ideário, a HUMANA COM & TRAD vem incluindo línguas minoritárias da região em seu portfólio de idiomas dos quais oferece traduções e interpretações. 

 

O Atlas da Unesco estima que metade das cerca de 6 mil línguas faladas no mundo hoje correm o risco de desaparecer até o final deste século.  

 

O Brasil é um bom exemplo desse problema. Calcula-se que quando os europeus chegaram ao que hoje corresponde ao território do país, a região abrigava uma população entre 3 milhões e 6 milhões de pessoas que falavam entre 400 e 1,2 mil línguas diferentes pertencentes a famílias e troncos linguísticos muito diversos. Hoje, os cerca de 800 mil indígenas do país  falam em torno de 180 línguas pertencentes a 43 famílias e dois troncos linguísticos diferentes. Quase dois terços dessas línguas minoritárias estão circunscritas à Amazônia, mas apenas 24 delas têm mais de mil falantes e nove têm menos de 20. No caso das que contam com maior contingente de falantes, esse número oscila entre 10 mil e 20 mil pessoas.  

 

Ou seja, embora o Brasil esteja entre os dez países do mundo com maior diversidade linguística, mais de 80% dos idiomas que aqui se falam se encontram em franco processo de extinção.  

 

Contribuiu para isso tanto a extinção física das populações indígenas como políticas deliberadas para a imposição do português que, poucos sabem, nem sempre foi a língua majoritária no país. Durante boa parte do período colonial, duas “línguas gerais” acabaram se tornando as mais faladas no país: uma evolução do tupi (língua brasílica ou Língua Geral Paulista) que se expandiu a partir de São Vicente e do planalto paulista até o Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Pernambuco e  Pará; e uma evolução do tupinambá (Língua Geral Amazônica ou nheengatu), que predominou nos estados do Maranhão, Pará e Amazonas.  

 

Ambos idiomas evoluíram e se expandiram como resultado da miscigenação dos soldados e colonos portugueses com as índias. As gerações subsequentes de mestiços adotaram naturalmente o idioma materno, que se expandiu junto com a colonização, predominando como língua franca não só sobre a grande diversidade de línguas nativas, como sobre o português.   

 

Foram as línguas dos bandeirantes e dos jesuítas, dos soldados e dos missionários, as mais amplamente usadas no país durante os séculos XVII e XVIII. Na Amazônia, o nheengatu acabou se estendendo inclusive por regiões onde, até então, não havia nenhuma língua da família tupi-guarani.  

 

Seu uso, entretanto, decresceu progressivamente à medida que se intensificava a influência portuguesa e, mais ainda, a partir de 1775, quando o Marquês de Pombal proibiu o uso no país de qualquer outra língua que não o português. A despeito disso, o nheengatu continua sendo falado atualmente nas regiões amazônicas do médio e alto rio Negro, do baixo Icana, do rio Xié e em partes da Colômbia e Venezuela (onde é chamada de Yeral). Segundo o IBGE, o nheengatu ainda conta com 7 mil falantes brasileiros. E, desde 2001, tornou-se língua cooficial no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), juntamente com as línguas baniwa e tukano. (http://tupi.fflch.usp.br/sites/tupi.fflch.usp.br/files/A%20lingua%20geral%20paulista.pdf) 

 

Mas, se em termos de número de idiomas, o Brasil se destaca na América Latina, em termos relativos, é o escudo das Guianas que apresenta a maior diversidade linguística tanto em proporção à população como à área de seus países.  

 

Na Guiana Francesa, os seus cerca de 300 mil habitantes se dividem em, ao menos, oito grupos linguísticos importantes. Embora o francês seja o idioma oficial, a língua mais falada no país, sobretudo entre a classe média e os mais pobres, é o crioulo local, uma mescla de francês, das línguas nativas da região e de línguas africanas trazidas pelos escravos. Outro idioma mesclado com forte presença no país é o crioulo haitiano que chegou junto com os escravos trazidos do Caribe, sobretudo do Haiti e República Dominicana.  Já o francês, inicialmente falado apenas pela minoria branca, se estendeu para outros estratos da população quando muitos colonos franceses começaram a retornar ao seu país. A França, então, decidiu obrigar os escravos africanos e indochineses a aprenderem o francês. 

 

O neerlandês se expandiu pelo país durante o período em que o Reino Unido dominou a então Guiana Holandesa (hoje Suriname) pois a proibição de que se falasse o neerlandês no país estimulou intensa imigração para os países vizinhos. Os escravos trazidos da Indochina trouxeram o idioma lao, proibido durante muito tempo e hoje quase extinto no país. O português chegou cedo à Guiana Francesa já que colonizadores lusitanos também exploraram a região, e sua presença vem crescendo nos últimos anos com o aumento da imigração de brasileiros. Já o espanhol chegou sobretudo através de hispano-americanos, principalmente peruanos, que constituem o segundo maior grupo no país depois dos brasileiros. O inglês, trazido tanto por britânicos como por norte-americanos mantém-se como língua predominante nos negócios. 

 

Na Guiana (antiga Guiana Inglesa) a situação é similar. Embora o inglês seja a língua oficial, o crioulo da Guiana goza de status mais ou menos formal de língua nacional, já que é falada pela quase totalidade de seus mais de 700 mil habitantes. Tem léxico inglês com forte influência do neerlandês, de línguas da África Ocidental, de línguas aruaques, do Caribe, e, em menor escala, de línguas da Índia. Também está relacionado com os idiomas dos crioulos Paramacanos e dos Aluku, falados no Suriname e na Guiana Francesa. Na Guiana também se fala português, chinês, hindi, urdu, espanhol e tâmil, além de várias línguas indígenas, o que aumenta a importância do crioulo local como língua franca. 

 

No Suriname, o caleidoscópio linguístico é ainda maior. O neerlandês é a única língua oficial, mas ao menos outras dez línguas são faladas por parcelas expressivas dos cerca de 560 mil surinameses, entre as quais o chinês (mandarim, hakka e cantonês), o hindi-urdo, o javanês, inglês, espanhol, português e meia dúzia de línguas autóctones. Se a esses se somam idiomas indígenas muito minoritários e alguns usados apenas em rituais religiosos, o número sobe para 22. O inglês entra pela televisão e o português é a língua que mais cresce por conta do crescente fluxo de imigrantes brasileiros.  

 

O idioma mais falado, porém, e que funciona como língua franca em praticamente todo o país, é o sranan tongo (ou surinamês), uma língua criada no século XVII pelos escravos africanos que, com frequência, não possuíam um idioma comum. Trata-se de uma língua simplificada com um léxico basicamente inglês, com muitas palavras do neerlandês e, em menor escala, do português e de línguas da África Ocidental. O sranan tongo tornou-se o meio de comunicação entre os escravos e seus senhores, inclusive porque os escravos foram proibidos de falar neerlandês, e daí foi se expandindo.  

Após a independência (1975), seguida de sucessivos golpes de estado, grandes inundações e crise econômica, muitos surinameses para os Países Baixos, fazendo com que o sranan tongo hoje seja falado em significativas parcelas das periferias das maiores cidades da Holanda, além do Oeste da Guiana Francesa. Esse idioma crioulo existe como língua escrita desde o século XIX e, desde 1986, dispõe de ortografia e gramática oficiais. Atualmente é uma das três línguas mais usadas na literatura do país. Alguns poetas tem escrito em sranan tongo obras que se tornaram canção neste país que se destaca pela riqueza musical.  

 

Embora o neerlandês continue a única língua oficial, o uso do sranan tongo vem sendo cada vez mais aceito pelo establishment, em ambientes formais e oficiais desde que o ex-ditador Dési Bouterse adotou seu uso público, na década de 1980, como parte da sua política nacionalista.  

 

Por ser língua franca amplamente falada e tida como a melhor expressão do sincretismo cultural do país, o sranan tongo foi uma das primeiras línguas minoritárias incorporadas no trabalho de tradução e interpretação da Humana. 

Especificamente, por ocasião do III Congresso sobre a Sócio e Biodiversidade do Escudo das Guianas, realizado em agosto de 2013 em Paramaribo, Suriname, o sranan tongo se posicionou como a língua mais importante dentre as 5 do evento (Espanhol, Português, Inglês, Francês e Sranan Tongo). Isso porque foram convidados participantes provenientes do interior, das comunidades quilombolas e indígenas dos países do Escudo, e a língua franca mais utilizada foi o sranan tongo. 

Mais recentemente, a formação em cultivo sustentável do açaí, atividade contemplada no projeto Açaí´Ação e patrocinada pelo Cirad em colaboração com a Embrapa brasileira, contou também com cabine de sranan tongo. Isso tornou possível uma participação mais engajada dos participantes provenientes das comunidades ribeirinhas dos dois lados do rio Mana, perto da fronteira entre a Guiana Francesa e o Suriname. 

 

O panorama das línguas minoritárias da região se completa com as línguas caribes. Essa família de línguas indígenas, que já foi das mais estendidas pela América do Sul, hoje se compõe por uns 30 idiomas falados por cerca de 50 mil indígenas na Venezuela, Guianas, extremo norte do Brasil e algumas partes da Colômbia. As mais faladas dessas línguas atualmente são o macushi e o pemón, com cerda de 24 mil falantes cada e o caribe, com 10 mil falantes.